Dezenas de milhares de camaroneses buscam refúgio no sul da Nigéria

Refugiados deixam o país por causa de conflitos internos e disputas políticas desde 2016

Dezenas de milhares de camaroneses buscam refúgio no sul da Nigéria

Um êxodo pouco conhecido está ocorrendo há mais de um ano na África ocidental, enquanto dezenas de milhares de pessoas fogem das regiões de língua inglesa de Camarões, para buscar refúgio no estado de Cross River, no sul da Nigéria. Equipes da organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançaram uma resposta de emergência para fornecer ajuda aos refugiados e às comunidades que os hospedam.

As disputas políticas nas regiões do sudoeste e noroeste de Camarões aumentaram no final de 2016. Depois que as forças armadas separatistas proclamaram um Estado independente, foram confrontadas pelo Exército nacional. Desde então, a violência diária levou milhares de pessoas a fugir de seus vilarejos e encontrar refúgio e proteção na vizinha Nigéria. Apesar das preocupações com o aumento da violência, há muito pouca resposta de ajuda por parte da comunidade internacional, seja dentro de Camarões, onde o acesso para grupos humanitários é muito limitado, ou na Nigéria.

Até o final de novembro de 2018, estima-se que 437 mil pessoas foram deslocadas internamente nas regiões sudoeste e noroeste de Camarões. A maioria fugiu para a mata, onde as condições de vida são precárias e há falta de abrigo adequado e acesso a alimentos, água e serviços básicos de saúde. Para ajudar a atender às necessidades médicas e de saúde dessas populações deslocadas, MSF está fortalecendo os sistemas de encaminhamento e emergência das estruturas distritais de saúde em Buea (região sudoeste) e Bamenda (região noroeste), e desenvolvendo a capacidade de agentes comunitários de saúde para fornecer cuidados descentralizados. MSF está concentrando suas atividades nas áreas rurais e periféricas, onde picos de violência estão impedindo que um grande número de pessoas tenha acesso a serviços de saúde.

Com uma estimativa de 30 mil refugiados também abrigados na Nigéria, em junho de 2018. “MSF iniciou atividades no estado de Cross River. De julho a meados de novembro, equipes médicas realizaram 3.890 consultas. Mais de 75% dos pacientes que estamos tratando são mulheres, crianças ou pessoas idosas ”, diz Scott Lea, coordenador de projeto de MSF em Cross River State.

A maioria das consultas é voltada para doenças respiratórias e de pele, como sarna, ambas relacionadas a condições de vida difíceis nos vilarejos e nos acampamentos onde os refugiados estão abrigados. As equipes médicas de MSF também estão tratando pacientes para doenças crônicas, como hipertensão e diabetes; para a malária, que é endêmica no país; e atendem pacientes que necessitam de cirurgia para lesões traumáticas e não traumáticas.

“Como irmãos e irmãs”

Quando os primeiros refugiados camaroneses começaram a atravessar o país para chegar à Nigéria, eles eram completamente dependentes da assistência e apoio dos moradores locais, cujas condições de vida já eram difíceis. Felizmente, devido à sua proximidade geográfica e os laços de longa data entre eles, os refugiados tiveram uma recepção calorosa.

Enquanto o mundo enfrenta uma crise de migração sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial e os membros das Nações Unidas adotaram e implementaram oficialmente o Pacto Global pela Migração Segura, Ordenada e Regular em 10 e 11 de dezembro no Marrocos, Augustine Eka mostra sua solidariedade a uma população vulnerável que acolhe refugiados camaroneses em sua casa no vilarejo nigeriano de Amana. “As pessoas começaram a fugir para a Nigéria, mas não tinham nada – elas não tinham um lugar para ficar”, diz Augustine. “Então, decidimos recebê-los, deixá-los viver em nossas casas como nossos irmãos e irmãs. Todas as comunidades aqui no estado de Cross River são muito hospitaleiras e amigáveis com os refugiados do sul de Camarões. Durante o ano passado, acolhemos mais de 100 refugiados na minha comunidade: homens, mulheres e crianças. ”
Fidelis Kigbor é um dos refugiados que vivem na casa de Augustine. Ele fugiu de Camarões em 1° de outubro de 2017, o dia em que as forças separatistas declararam independência. “Eu morava com toda a minha família em Mamfee, onde eu era agricultor”, diz Fidelis. “Eu construí minha casa lá, mas foi destruída.”

Fidelis e sua família cruzaram a fronteira. “Quando chegamos ao vilarejo de Amana, os habitantes locais nos receberam, mesmo que não tivessem muito a oferecer”, diz Fidelis. Fidelis espera voltar a Camarões quando a situação permitir, mas ele sabe que não será fácil. “Eu gostaria de voltar ao meu país quando as coisas melhorarem, mas sei que perdi tudo lá”, diz ele. “Vou precisar de ajuda para reconstruir minha vida.”

‘Nós fugimos da violência’

Enquanto alguns dos refugiados vivem nos vilarejos fronteiriços da Nigéria, juntamente com os habitantes locais, outros foram transferidos para assentamentos de refugiados.

O acampamento de refugiados em Adagom, administrado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR), foi construído em meados de agosto de 2018. Desde o início de dezembro, mais de 6.400 pessoas estão abrigadas lá.

Gmoltee Bochum, 31 anos, está sentado em frente à sua tenda com sua filha de 2 anos de idade, Sema. “Lá em Camarões, eu morava em Bamenda, uma das maiores cidades da região de língua inglesa”, diz Gmoltee. “Eu era engenheiro da computação e professor. Não sei quando a violência vai acabar, mas sei que perdi tudo. Agora eu moro com minha família neste campo de refugiados, mas a vida é dura. Todos nós vivemos juntos em uma pequena tenda”.

O dr. Precious Mudama, de MSF, diz que as necessidades das pessoas no estado de Cross River são enormes. “Antes da ação de MSF no estado de Cross River, havia necessidades esmagadoras no setor de saúde”, diz o dr. Precious. “Houve uma grande pressão no sistema de saúde do estado e falta de funcionários e materiais para cuidar da população local e dos refugiados. Nossa intervenção foi oportuna e agora estamos atendendo às necessidades médicas com nossas atividades de clínicas móveis. As equipes médicas estão vendo uma média de 120 a 150 pacientes por dia, com uma média de 80% de refugiados e 20% de membros das comunidades anfitriãs”.

Lydia, de 40 anos, é refugiada de Camarões abrigada no assentamento de Adagom. Ela perdeu seu irmão e duas irmãs quando fugiam de Camarões. Ela agora vive em uma tenda com seu marido doente e seus seis filhos. Ela viu um médico de MSF quando ficou doente e acredita que, caso contrário, poderia ter morrido. “Eu me senti mal por um longo tempo com fortes dores abdominais”, diz Lydia. “Quando cheguei ao acampamento de Adagom, soube que MSF estava ajudando pessoas com assistência médica gratuita. Por isso, decidi conhecer o médico e obter ajuda. Eles me visitaram e depois me encaminharam para o hospital sem pedir nenhum dinheiro. Sem a ajuda de MSF, eu provavelmente teria morrido, mas agora me sinto muito melhor e estou de volta ao acampamento com minha família”.

Além de fornecer assistência médica, as equipes de água e saneamento de MSF reabilitaram 27 bombas manuais, cavaram quatro poços e construíram 52 latrinas em vilarejos onde tanto moradores quanto refugiados estão vivendo.

O Projeto MSF em Cross River começou com as atividades de água e saneamento nas Áreas de Governo Local de Obanliku e Boki (LGAs). As atividades médicas começaram na última semana de julho de 2018 com um ambulatório no Centro de Saúde Intensiva em Ikom para atender tanto a comunidade anfitriã quanto a comunidade de refugiados. MSF agora opera seis clínicas móveis nas áreas do governo local de Obanlinku, Boki, Ikom, Ogoja e Etung. Do final de julho até meados de novembro, nossas equipes realizaram 3.890 consultas.

Nas regiões do sudoeste e noroeste de Camarões, MSF está apoiando centros de saúde distritais e hospitais em Buea e Bamenda para fortalecer seus sistemas de encaminhamento e emergência. MSF estabeleceu serviços de ambulância, doou suprimentos médicos e logísticos e preparou planos para vítimas em massa em várias unidades de saúde. MSF também fornece treinamento e capacitação para agentes comunitários de saúde para apoiá-los a fornecer modelos descentralizados de atendimento. Além disso, mantém clínicas móveis em Buea, Bamenda e anteriormente em Kumba.
 

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