Incêndio em Cox’s Bazar causa 15 mortos e mais de 560 feridos num continuado pesadelo para refugiados rohingya

Rohingya sofrem há anos com as péssimas condições de vida e o reduzido acesso a cuidados médicos e outros serviços humanitários.

Incêndio em Cox’s Bazar, Bangladesh

 

Um grande incêndio eclodiu nos campos de Cox’s Bazar, no Bangladesh, onde vivem atualmente quase 900 000 pessoas refugiadas. Estimativas das Nações Unidas indicam que pelo menos 15 pessoas morreram durante o fogo intenso, 560 ficaram feridas e umas dez mil famílias – mais de 45 000 pessoas – deslocadas. Mas os números finais não são ainda claros.

A clínica da MSF em Balukhali foi completamente destruída no incêndio, que deflagrou na segunda-feira passada, 22 de março. Felizmente, todos os pacientes e trabalhadores foram retirados do local antes que o fogo se intensificasse. As equipas MSF trataram 11 pessoas feridas no incêndio, no hospital de Kutupalong e no hospital da colina.

Esta não é a primeira vez que um incêndio deflagra no campo nos meses recentes, devastando as vidas de muitas pessoas refugiadas rohingya que ali vivem. Os abrigos são construídos com materiais temporários e frágeis, o que significa que o fogo se propaga rapidamente nos campos densamente povoados de Cox’s Bazar.

A situação nos campos está a deteriorar-se, com um cada vez mais reduzido acesso a cuidados médicos, aumento da violência e insuficientes condições básicas de vida.

Ainda está por se perceber o total impacto deste incêndio na comunidade, uma vez que o fogo continuou a arder durante a noite de segunda para terça-feira. Não é ainda claro quantos abrigos, estruturas de saúde e outras infraestruturas humanitárias foram destruídas.

Este é um enorme golpe para a comunidade rohingya, a qual continua a sofrer as consequências da deterioração das condições de vida nos campos, enfrentando um acesso reduzido a cuidados médicos e a outros serviços humanitários.

A comunidade rohingya vê-lhe ser negada a possibilidade de regressar a casa em Myanmar de forma segura e com dignidade. As restrições à liberdade de deslocação destas pessoas e a falta de acesso a modos de subsistência no Bangladesh, incluindo a possibilidade de trabalharem, resulta em que a comunidade rohingya fica totalmente dependente de assistência humanitária.

A vida nos campos de Cox’s Bazar

A maior parte das quase 900 000 pessoas rohingya no Bangladesh vive no distrito de Cox’s Bazar. As atividades que a MSF leva a cabo para estas comunidades refugiadas estão centralizadas em volta do chamado “mega campo”, que agrega 26 campos. Nos anos recentes, foram montadas cercas de arame farpado. As condições de vida para os refugiados continuaram a deteriorar-se devido às medidas da COVID-19, entre outros factores, deixando as pessoas face a duros dilemas.

“Tem-se verificado uma profunda deterioração nas condições de vida nos campos de refugiados nestes últimos 12 meses”, sublinha o chefe de missão da MSF em Cox’s Bazar, Bernard Wiseman. “A presença da polícia e do Exército tem aumentado e, ao mesmo tempo, grupos armados têm expandido a sua base de poder nos campos. Daqui resulta que temos vindo a receber relatos de ocorrerem mais raptos, violência e extorsão”, descreve.

A chegada da COVID-19 traduziu-se na adoção de mais restrições à liberdade de movimento dos refugiados assim como no acesso das organizações humanitárias internacionais aos campos. Em 2020, os serviços dentro dos campos foram reduzidos ao mais básico e algumas organizações tiveram de suspender por completo o trabalho desenvolvido nos campos. Nos primeiros meses da pandemia, as equipas da MSF ficaram com acesso limitado, o que levou à redução da qualidade e da variedade dos serviços de saúde que se conseguia providenciar à população rohingya.

A comunidade rohingya refugiada enfrenta um cada vez mais terrível dilema. Muitas pessoas estão a ficar cada vez mais desesperadas e sem esperança, conforme as condições no campo continuam a deteriorar-se, o que as conduz a fazerem escolhas arriscadas. Para se escaparem, algumas pessoas decidem fazer a perigosa viagem nos barcos de tráfico humano que partem da Malásia. Outras assinam documentos de relocalização para a ilha remota de Bhasan Char, apesar de todas as interrogações que existem sobre o futuro que podem ter naquele local.

A ilha remota de Bhasan Char

A ilha de Bhasan Char é uma língua de areia no meio da Baía de Bengala. Não existia antes de 2006 e nunca fora habitada. Após a crise de refugiados de 2017, as autoridades do Bangladesh pensaram em tornar Bhasan Char num lugar para relocalizar algumas do quase um milhão de pessoas que tinham chegado ao país vindas de Myanamar.

Cerca de 14 000 refugiados foram transferidos para a ilha desde dezembro de 2020 e o Governo do Bangladesh tem planos para eventualmente relocalizar ali umas 100 000 pessoas. “Mas há muitas questões por esclarecer sobre a adequação e sustentabilidade da ilha: está localizada a cerca de 60 km de distância do continente e o único meio de transporte disponível para o território continental é um serviço gerido pelo Exército do Bangladesh”, explicita Bernard Wiseman.

O chefe de missão conta que estão atualmente uns 20 antigos pacientes da MSF na ilha, com os quais as equipas mantêm contacto. “A primeira reação que tiveram às condições de vida na ilha foi globalmente positiva. E não é difícil perceber porquê: os edifícios são de cimento com telhados de metal, o que representa seguramente uma melhoria em comparação com as pequenas estruturas de lama e bambu em que viveram nos três anos antes”, nota.

Apenas serviços de saúde básicos

“De uma perspectiva médica, estamos muito preocupados”, avança Bernard Wiseman. “Pelo que sabemos estão a ser prestados apenas cuidados de saúde primários muito básicos por ONG locais [em Bhasan Char]. Serviços de saúde secundários e especializados não estão disponíveis. Não sabemos como é que pacientes que precisam de cuidados de emergência são transferidos da ilha para um hospital, uma vez que é necessária uma viagem de três horas de barco desde o território continental”, conta o chefe de missão da MSF.

O envolvimento e contactos com a comunidade rohingya refugiada e com os prestadores de serviços de saúde nos campos em Cox’s Bazar, para discutir as formas de garantir acesso a cuidados médicos na ilha, têm sido muito poucos. “Estamos a tentar estabelecer redes de encaminhamento com o objetivo de assegurar cuidados continuados aos nossos antigos pacientes que sofrem de doenças crónicas e que precisam de seguimento e medicamentos de forma contínua”, afirma ainda Bernard Wiseman.

De forma geral, a situação em Bhasan Char é um sintoma da deterioração generalizada das condições de vida nos campos de refugiados no Bangladesh, e é só um de muitos problemas que as pessoas rohingya enfrentam há décadas – uma provação que inclui violência sancionada pelo Estado, perseguição, discriminação e a recusa de direitos básicos.

A relocalização em Bhasan Char é uma consequência do falhanço da comunidade internacional em encontrar uma solução para o que se tornou numa crise prolongada de refugiados. “Até ser adotada uma solução de longo prazo, continuaremos a ver políticas que visam restringir e conter refugiados e prolongar a natureza ‘temporária’ e insustentável da continuada situação em que se encontram os refugiados rohingya”, remata o chefe de missão MSF em Cox’s Bazar.

 

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