A luta diária dos refugiados de Ituri em Uganda

O sofrimento parece não ter fim para os refugiados que buscam abrigo em Uganda

A luta diária dos refugiados de Ituri em Uganda

Os agressores usaram máscaras, machados, facões e armas para massacrar civis na província de Ituri, na República Democrática do Congo (RDC), relata Areiti, mãe de sete filhos. Na manhã em que a violência atingiu seu vilarejo em Joo, ela não teve tempo de se preparar para fugir: "eu vi como eles estavam matando as pessoas", ela relata. “Eles cortaram as pessoas com machados e as matavam com facões. Você não consegue vê-los porque eles estão correndo atrás de você”, lembra ela. “Eles atacaram nosso vilarejo antes do Natal e passamos o feriado no meio do mato.”

Areiti e seus filhos percorreram um complicado caminho até as margens do lago Albert. E, como outras 57 mil pessoas que fugiram da violência no leste da RDC desde meados de dezembro, eles atravessaram o lago em direção a Uganda, em busca de segurança e uma segunda chance.

“Saímos ao pôr do sol. Foi difícil de atravessar o lago. O vento estava forte e era complicado chegar ao outro lado. O vento soprava forte, mas Deus nos ajudou e sobrevivemos”, ela conta, enquanto prepara para os filhos a pouca comida que tem.

Para pagar os pescadores que os ajudaram a atravessar o lago, eles tiveram que vender sua única cabra. Agora, Areiti e seis de seus filhos têm muito pouco para sobreviver como refugiados em Uganda, onde vivem desde fevereiro de 2018.

Para Areiti, a dor do exílio é exacerbada pela separação de seu marido e um dos seus filhos, devido à violência. Eles esperam se reencontrar, embora os assassinatos na RDC continuem. Para eles, é difícil encontrar uma saída. Mas, por enquanto, ela e seus seis filhos sonham com sua família reunida novamente e tentam esquecer as cenas horríveis que presenciaram.

"Não temos nada"   
 
Quando famílias como a de Areiti chegam às margens ugandenses, elas viajam de ônibus até o centro de recepção em Kagoma para serem registradas. Isso pode levar várias semanas, já que o centro está superlotado, hospedando 6 mil pessoas em um espaço construído para apenas algumas centenas.

Muitos dos recém-chegados não têm onde dormir além dos galpões improvisados feitos de madeira e plástico. Neles, homens, mulheres e crianças de todas as idades compartilham colchões e tapetes de bambu, dormindo lado a lado para acomodar todas as pessoas.

Os que tiveram sorte transportaram cadeiras de plástico, enlatados e baldes da RDC. A maioria chegou com nada além da roupa do corpo e está desesperada para receber ajuda.

Sob condições tão precárias e com acesso limitado a água potável e latrinas, à medida que o número de recém-chegados sobrecarregava as instalações, o surto de cólera que começou a se espalhar em meados de fevereiro teve um impacto assustador entre a população já vulnerável.  

Até o final de março, a doença já tinha matado 39 pessoas e deixado 1.955 internadas em instalações de saúde em situação grave. Também há uma possibilidade real de ocorrer uma epidemia de sarampo. Por isso, Médicos Sem Fronteiras (MSF) montou uma clínica para atender pacientes dentro do centro de recepção e está vacinando contra o sarampo todas as crianças recém-chegadas para mitigar esse risco.

O alívio ainda é pouco para Janet, de 30 anos e mãe de três filhos, que chegou a Kagoma no dia 9 de março. "Não temos nada, eu nem sequer tenho copo para beber água", diz Janet, cuja família fugiu de Tchomia, um vilarejo congolês.

O marido de Janet também está desaparecido devido à violência na província de Ituri. “Meus filhos e eu estamos sofrendo aqui. Um deles está doente, estamos todos em apuros”, diz ela ao procurar orientação médica em uma clínica de MSF.

Como os demais, ela luta contra terríveis lembranças e sofre para manter seus filhos vivos. “Muitas pessoas foram assassinadas com armas e alguns de seus corpos foram cortados ao meio, usando machados. Outros foram atingidos por flechas”, diz ela.

Janet se lembra de ter olhado para a margem congolesa e ter visto os vilarejos em chamas ao embarcar com seus filhos. Com ela e seus filhos a salvo da violência que tomava conta de sua região, eles agora têm que se acostumar com a espera pelo registro, antes de serem enviados ao campo.

“Nenhuma outra opção”

O campo de Mara Tatu está localizado a uma curta distância do centro de recepção, em uma área fértil no oeste de Uganda, a cerca de 250 quilômetros da capital Kampala. Mais de 75 mil refugiados vivem em campos próximos à área, incluindo cerca de 40 mil congoleses recém-chegados de Ituri, a maioria deles mulheres e crianças.

No campo, eles recebem lonas plásticas para construir tendas improvisadas que serão suas casas pelo menos durante as primeiras semanas. Aqueles que estão lá há mais tempo coletaram madeiras e tentaram construir estruturas mais permanentes.
 

Partilhar