Nigéria: “A maioria dos mortos e feridos são mulheres e crianças”

Profissional de MSF fala sobre situação desastrosa de campo de deslocados de Rann após ataque aéreo que matou dezenas de pessoas e deixou mais de 120 feridos

Nigéria: “A maioria dos mortos e feridos são mulheres e crianças”

No dia 17 de janeiro, ao menos 90 pessoas foram mortas e 120 ficaram feridas em ataque aéreo conduzido pelo exército nigeriano em acampamento de deslocados internos em Rann, no leste do estado de Borno. Uma equipe da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), que havia começado a trabalhar no campo poucos dias antes do ataque, ofereceu primeiros socorros a 120 pessoas feridas na clínica local – única instalação de saúde na região. Mohammed Musoke, coordenador médico de MSF, juntou-se à equipe da organização que trabalhava em Rann um dia depois do ataque para auxiliar na evacuação dos feridos para a capital do estado, Maiduguri.

“A equipe que estava em Rann na terça-feira, dia do bombardeio, conseguiu estabilizar alguns dos casos. Na quarta-feira, eu e um dos nossos enfermeiros viajamos até Rann de helicóptero para ajudar a evacuar pacientes.

Um dia após o bombardeio, muitos dos pacientes ainda estavam em péssimas condições. Vimos dúzias de pacientes com diversos ferimentos traumáticos, entre eles fraturas expostas e lesões no abdômen e no peito. A maioria dos mortos e feridos são mulheres e crianças.

Havia um menino de 10 anos de idade com um ferimento grande e profundo na coxa. A carne estava pendurada para fora para um dos lados, e era possível ver através do osso. Esse tipo de ferimento é extremamente doloroso, mas durante todo o tempo em que eu fiquei ali fazendo o curativo, o menino permaneceu sem expressão e apático. Isso foi 24 horas após o bombardeio. Ele precisará de muito apoio psicossocial para aceitar a situação, além de um tratamento intenso de fisioterapia para conseguir andar novamente. Outro paciente que atendi era um menino de seis anos de idade cuja palma da mão havia sido perfurada e queimada por estilhaços, e isso deixou sua mão necrosada. As chances de ele perder a mão são altas.

Não há hospitais em Rann – a instalação de saúde mais próxima fica a pelo menos 30 quilômetros de distância, em Ngala. São necessárias cerca de duas horas para chegar ao local, devido às más condições das estradas e à insegurança, que obriga os veículos a terem uma escolta militar. Por isso, estamos evacuando os pacientes para Maiduguri.

Eu e meu colega evacuamos diversos pacientes feridos e os levamos a diversos hospitais de Maiduguri. Um deles era um bebê de seis meses que tinha pedaços de estilhaços cravados no pescoço, com lesões de perfuração. No helicóptero, a criança chorava incontrolavelmente. Obviamente, o bebê estava desidratado, e sua mão perguntou se podia lhe dar algo de beber. Eu lhe dei a água que tinha, e ela derramou um pouco na mão e, então, levou à boca da criança. Ele engoliu a água de um jeito inacreditável para um bebê de seis meses. Depois de pouco tempo, adormeceu.

O lugar onde as pessoas estão vivendo em Rann é amplo e aberto como um deserto, com pequenas árvores em algumas partes. As pessoas deslocadas estão vivendo com a comunidade local em lares improvisados feitos de galhos, sacos, roupas velhas e palha.

As pessoas da região com quem conversamos dizem que é extremamente difícil conseguir alimento suficiente, especialmente devido à insegurança. A maioria das pessoas se sustenta com a venda da lenha que colhem na floresta, mas, para chegar ali, é preciso ter autorização militar. Elas precisam entrar muito a fundo na floresta para encontrar lenha, e têm medo da possível presença do Boko Haram na região e de serem atacadas”.

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