Noma, uma doença que já não devia existir: três histórias de sobreviventes

Três pacientes que receberam tratamento num hospital onde a MSF presta apoio na Nigéria enfrentaram o noma e decidiram apoiar outras pessoas afetadas pela doença

© Fabrice Caterini/Inediz, 2023

O noma é uma doença completamente prevenível e fácil de tratar, se os cuidados forem iniciados atempadamente. Sem tratamento, destrói a pele e os ossos do rosto em poucas semanas, levando até 90 por cento das pessoas infetadas à morte, a maioria das quais são crianças. Muitas vezes, o pequeno grupo de sobreviventes tem de enfrentar um futuro de dor, desconforto e estigma social.

Agora, o noma está mais perto do que nunca de ser incluído oficialmente na lista de doenças tropicais negligenciadas da Organização Mundial de Saúde (OMS), o que trará mais atenção e recursos para enfrentar a doença. É esperado, portanto, que este seja um ano decisivo para todas as pessoas que sofrem ou vivem com as consequências do noma, como Muhammadu, Mulikat e Dahiru.

Em muitos aspectos, estes três sobreviventes têm pouco em comum. Nasceram em diferentes partes da Nigéria (estado de Yobe, no Nordeste, em Lagos, no Sudoeste, e no estado do Níger, no centro) e cresceram em circunstâncias diferentes, cada um com sonhos distintos. Porém, quando ainda eram crianças as vidas deles e dos familiares mudaram para sempre, por causa do noma.

Hoje, encontram-se todos os dias no Hospital de Noma em Sokoto, na Nigéria, onde a Médicos Sem Fronteiras (MSF) presta apoio. Chegaram depois de longas viagens em busca de assistência para a doença. Após receberem tratamento e passarem por várias cirurgias, Muhammadu, Mulikat e Dahiru conseguiram recuperar a confiança e a esperança. Por isso, decidiram ficar no hospital e tornar-se parte da solução.

Agora, posso ir a qualquer lugar sem me sentir envergonhado.” 

Muhammadu

Foto: Fabrice Caterini/Inediz

“O meu pai levou-me a vários sítios em busca de uma cura – até passei três meses num hospital em Maiduguru, no Nordeste”, recorda Muhammadu Usman, agora estudante do ensino secundário numa escola e auxiliar de limpeza no Hospital de Noma em Sokoto. “Alguém nos falou sobre um hospital em Sokoto, mas era muito longe da cidade onde vivíamos. O meu pai teve de vender alguns animais para pagar o transporte.”

Quando Muhammadu chegou a Sokoto, mal conseguia abrir a boca: era quase impossível comer e falar. Após dois procedimentos cirúrgicos, as perspetivas para o futuro dele melhoraram significativamente. “Agora, posso ir a qualquer lugar sem me sentir envergonhado”, frisa. “Além disso, esforço-me para informar os outros sobre o noma: para que saibam, por exemplo, que higienizar a boca diariamente reduz o risco da doença.”

Muhammadu tomou uma decisão quando chegou ao hospital. “Senti que tinha de aprender a ler para que um dia me pudesse tornar médico”, explica. “Os médicos apoiaram-me para ficar em Sokoto e continuar os estudos num internato aqui, e o meu pai também aceitou. Durante as férias, ficava no hospital e lavava carros para juntar dinheiro. Depois consegui um emprego como auxiliar de limpeza. Mas o meu plano mantem-se: continuo a querer ser médico.”

Estou a lutar para que o noma seja oficialmente reconhecido como uma doença tropical negligenciada.”

Mulikat

Foto: Fabrice Caterini/Inediz

Muhammadu segue o exemplo de Mulikat, uma grande defensora da luta contra o noma. Mulikat usa sempre vestidos coloridos no hospital, onde trabalha com as equipas de promoção de saúde e saúde mental. Ao contar tudo aquilo que enfrentou, ajuda as pessoas nas comunidades locais a reconhecer a doença atempadamente e motiva as crianças com noma e as respetivas famílias a não perderem a esperança.

“Compreendo perfeitamente o sofrimento deles”, sublinha Mulikat. “Passava o tempo todo a chorar e desejei muitas vezes não ter sobrevivido para não ter de passar pelo estigma associado à doença. Não quis falar com ninguém durante muito tempo. Felizmente, trouxeram-me para aqui. Nos últimos 20 anos, passei por cinco cirurgias. Agora estou bem e estou a lutar para que o noma seja oficialmente reconhecido como uma doença tropical negligenciada.”

Mulikat retomou os estudos e conseguiu obter um diploma em gestão de informação de saúde em 2018. É também co-fundadora da Elysium, a primeira fundação de sobreviventes do noma, e viajou para o exterior para consciencializar as pessoas sobre a doença. “Em 2022, deixei a Nigéria pela primeira vez para viajar e conversar com aqueles que tomam decisões e pedir-lhes que dessem ao noma a atenção que merece”, conta.

Mal posso acreditar que agora sou eu quem ajuda os outros.”

Dahiru

Foto: Fabrice Caterini/Inediz

Dahiru, sobrevivente do noma, passa muitas vezes pelos corredores do hospital. Desta vez, empurra uma maca com uma criança que acaba de ser operada pela primeira vez. Dahiru lembra-se muito bem da primeira cirurgia que enfrentou, pouco tempo depois de chegar ao Hospital de Noma em Sokoto, quando ainda era adolescente.

Durante a recuperação no hospital, conheceu a primeira mulher, Fatima, também uma sobrevivente do noma. Foi por isso que Dahiru decidiu ficar a trabalhar como auxiliar de limpeza e como segurança da instalação. Infelizmente, Fatima morreu durante o parto dos gémeos do casal, que também não resistiram. “Foi mesmo muito difícil”, confessa Dahiru. “Mas casei-me outra vez e agora tenho dois filhos saudáveis. Espero que possam ir à escola em breve.”

“Estou feliz”, frisa Dahiru. “Quando vejo a minha vida antes e agora, sinto-me muito mais feliz agora. Mal posso acreditar que agora sou eu quem ajuda os outros.”

Uma inspiração para os pacientes

O hospital tornou-se um local de esperança para Muhammadu, Dahiru e Mulikat. Não só conseguiram resgatar a confiança através do longo processo de recuperação do noma, como também encontraram meios para viver os sonhos que pareciam ter sido roubados pela doença: sonhos de vida, educação, emprego e família.

Enquanto realizam as tarefas diárias no hospital, tornam-se também numa inspiração para as pessoas afetadas pelo noma e para outros sobreviventes que chegam a Sokoto, muitas vezes tão desesperançados como Muhammadu, Dahiru e Mulikat se sentiam no início do tratamento.

A MSF presta apoio ao Ministério da Saúde da Nigéria no Hospital de Noma em Sokoto desde 2014, fornecendo cirurgias reconstrutivas, apoio nutricional e de saúde mental e atividades para alcançar comunidades distantes. Desde 2014, as equipas cirúrgicas da MSF realizaram 1.152 cirurgias em 801 pacientes. Todos os serviços do Hospital de Noma em Sokoto são providenciados gratuitamente.

 

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