Economista brasileiro escreve diário de bordo sobre sua segunda missão na RDC

De Kinshasa, capital do país, Igor Moraes relata seu cotidiano na coordenação de uma das maiores missões de MSF no mundo

Médicos Sem Fronteiras (MSF) está na República Democrática do Congo (RDC) desde 1987. Já alvo de violência sexual, exclusão social, epidemias e guerras, os congoleses começaram a sofrer desde agosto deste ano a intensificação dos conflitos armados no norte do país. A saída de muitas organizações humanitárias deixou algumas áreas do Congo completamente abandonadas. Além disso, o governo se revelou incapaz de prestar assistência médica ao vasto número de necessitados no país.

É nesse contexto que atua o economista carioca Igor Moraes. Coordenador de finança da missão da RDC, ele trabalha com todos os projetos do país. Aids, violência sexual, hospital para feridos de guerra e clínicas móveis para áreas de conflito são apenas alguns projetos conduzidos pelas equipes de congoleses e expatriados que atuam com MSF no Congo. Igor fala um pouco mais sobre sua missão em seu Diário de Bordo, que começa hoje, e em pequena entrevista concedida a MSF:

Como exatamente é o seu trabalho?
Igor Moraes – Eu trabalho na coordenação de todos os projetos do país, não executamos atividades médicas diretamente. Normalmente, em missões MSF a coordenação é composta por uma pessoa de cada departamento – logística, administração, médico e finanças – e o chefe de missão.

Qual é o contato que você tem com o terreno?
Moraes – Essa é a parte interessante de trabalhar na coordenação, pois não ficamos
restritos a um só projeto. Temos a visão de todos os projetos; discutimos o andamento, suas estratégias, seus recursos humanos. Já visitei dois projetos na parte centro-leste do país para a preparação do orçamento 2009, mas, no começo de novembro, devo fazer um tour por todos os projetos para conhecê-los, ver como anda os aspectos financeiros e prestar um suporte àqueles que chegaram recentemente ou estão em sua primeira missão.

O que mais te marcou nesta missão até agora?
Moraes – Certamente o tamanho da missão!!! Comparado à Libéria (primeira missão de Igor; esta é a segunda), isto aqui é um universo!

Quais os projetos que mais te chamam a atenção?
Moraes – Um deles é um grande hospital em Lubutu. Esse tipo de intervenção não é comum em MSF, mas a julgamos pertinente no longo prazo. Seu objetivo é trabalhar com uma estratégia diferente de atuação e alocação de recursos, visando a reduzir sensivelmente a mortalidade e morbidade de uma determinada região do país. Assim, as pessoas têm um hospital bem equipado que oferece não só consultas, como também emergência, cirurgias e etc. Esse tipo de projeto é super interessante, pois não é só uma atividade de emergência, mas sim uma proposta de desenvolver com o Ministério da Saúde uma forma de trabalhar com a saúde pública.

O segundo projeto que chama muito minha atenção é o "Pool de Urgência do Congo" (PUC). Trata-se de uma equipe de altíssimo nível, composta de expatriados e equipe nacional, que, através de um monitoramento constante de alertas, faz uma vigilância sobre todo o vasto território nacional e intervém quando necessário, como nos surtos de cólera ou ebóla. O objetivo do PUC é chegar ao local em no máximo após 72 horas de constatado o problema e reduzir drasticamente os indicadores de mortalidade das epidemias, surtos e outros no prazo de uma semana.

Como MSF está lidando com a falta de reação adequada do resto da comunidade internacional em relação aos conflitos na província?
Moraes – Recentemente, MSF tem levado à mídia a questão de Kivu Norte, com severas críticas às partes envolvidas, mesmo às de paz. A mensagem principal é que não se trata de um conflito, mas de uma guerra, devido a algumas características, mas principalmente sua duração. Para nós, trata-se de um problema duplamente preocupante, pois, além de uma situação alarmante no quesito humanitário (deslocamento forçado, seqüestro de crianças para torná-las soldados, falta d'água, etc), temos também um projeto bem no centro desse "furacão", o que nos exige um esforço enorme no quesito segurança, vigilância dos embates, estratégias de evacuação etc.

Como é a ação de MSF num contexto de fuga de tantas ONGs?
Moraes – Em situações como essa, normalmente as ONGs partem logo. Mas o problema é que nesses momentos é que a população mais precisa de ajuda. Os campos de refugiados internos ficam lotados, doenças se espalham, situação sanitária se agrava…. Enfim, se todos partem, essas pessoas – reféns da guerra – ficam completamente abandonadas. Porém, vale lembrar que MSF, devido à nossa imensa experiência em situações de emergência e conflitos, tem um "know-how" de como atuar nesses contextos que praticamente nenhuma outra organização do mundo detém (tanto no quesito operacional quanto na gestão de segurança). Isso nos permite continuar no terreno sem pôr em risco a vida do nosso pessoal. Quando isso não é mais possivel, não hesitamos em evacuar os profissionais ou reduzir as atividades.

MSF está no Congo desde 1987. Como você acha que a população congolesa vê MSF?
Moraes – MSF está no Congo há mais de duas décadas e por isso tem uma incrível reputação perante a população e também órgãos governamentais. Temos contribuído na luta contra os imensos problemas de saúde que o país enfrenta e esse esforço é visto por todos. Contamos, na capital, com uma expatriada que se ocupa de toda a parte de comunicação e fazemos um grande trabalho nesse sentido. Existem publicações próprias de MSF e outros itens que nos ajudam a comunicar às pessoas o que estamos fazendo e o que se passa na missão. Além disso, existe um outro efeito indireto de nossas atividades, como o desenvolvimento de determinadas áreas devido à nossa presença. Lubutu é um exemplo claro disso, pois era uma vila que não tinha nada além de algumas casas e com a inauguração do hospital e toda a circulação de dinheiro gerada pelo pagamento do salário de mais de 250 profissionais locais, a vila começou a se desenvolver, aumentar o comércio e gerar empregos.

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