Longe da vista: crise negligenciada de desnutrição ameaça dezenas de milhares de crianças no Noroeste da Nigéria

Um agricultor nas proximidades da aldeia de Riko, Estado de Katsina, na Nigéria. Junho de 2022.
© George Osodi.

Uma crise de desnutrição em crescendo, porém largamente ignorada, está a ocorrer no Noroeste da Nigéria, ameaçando as vidas de dezenas de milhares de crianças – o alerta foi dado a 7 de julho pela organização médico-humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Equipas da MSF, a trabalharem em parceira com as autoridades de saúde nigerianas em cinco estados no Noroeste do país, providenciaram assistência a já mais de 50 000 crianças com desnutrição aguda, incluindo sete mil que precisaram de cuidados hospitalares, desde janeiro passado. A MSF receia que a situação se torne insustentável sem um aumento do apoio humanitário que salva vidas.

“Estamos a preparar-nos para tratar até 100 000 crianças desnutridas este ano no nosso programa de nutrição apenas no estado de Katsina. Expandimos também a nossa resposta nos estados de Kebbi, Sokoto, Zamfara e Kano”, explica o chefe das operações de emergência Michel-Olivier Lacharite.

 

Começou o período de fome [período entre duas colheitas durante o qual as pessoas ficam sem provisões da colheita anterior e têm de esperar pela seguinte] e o pico de transmissão da malária – que irá deteriorar ainda mais o estado de saúde e nutricional das crianças – ainda nem chegou.

 

Michel-Olivier Lacharite frisa ainda: “Apesar dos pedidos que fizemos nos meses recentes tanto a organizações humanitárias como às autoridades para aumentarem as atividades médicas, não vimos a mobilização necessária para evitar uma crise nutricional devastadora”.

 

O reconhecimento das necessidades agudas destas crianças está muito atrasado e nós instamos fortemente em que o apoio para salvar vidas seja agora uma prioridade.

 

Pessoas esperam para receber atendimento. Estado de Katsina, Nigéria. Junho de 2022. ©George Osodi.

 

Na área de Gummi, no estado de Zamfara, equipas da MSF levaram a cabo em junho um rastreio de mais de 36 000 crianças menores de cinco anos, no seguimento de um alerta sobre nutrição. Os resultados são alarmantes, com mais de metade das crianças em desnutrição. Do total das crianças observadas, quase um quarto encontrava-se gravemente desnutrida e a necessitar de cuidados médicos urgentes. A MSF, em colaboração com as autoridades, lançou prontamente uma resposta de emergência nesta área. Em Katsina, as equipas da organização médico-humanitária tiveram de aumentar rapidamente nas últimas semanas a capacidade de internamento, de 100 para quase 280 camas, mas o fluxo de crianças desnutridas é tão elevado que foi necessário introduzir critérios restritos de admissão em alguns dos centros de tratamento. Em Kebbi, onde a MSF opera uma estrutura de internamento e duas de cuidados ambulatórios, foram tratadas 1 500 crianças desnutridas desde março passado.

Nesta região com insegurança alimentar crónica, os níveis de violência em crescendo empurraram muitas comunidades até ao limite, incluindo cerca de 500 000 pessoas que foram forçadas a fugir de casa. Nos anos recentes, grupos armados – localmente referidos como “bandidos” – intensificaram os ataques, as mortes, raptos, pilhagens e violência sexual. Muitas pessoas não conseguem cultivar a terra, o gado é roubado e os mercados e o comércio estão interrompidos, em simultâneo a uma subida nos preços dos alimentos de primeira necessidade – que permanecem acima da média de cinco anos na maioria dos mercados nigerianos – e num contexto de saúde já muito frágil.

O atraso e a insuficiência na assistência humanitária atualmente prestada no Noroeste da Nigéria explicam-se em parte pelo facto de as Nações Unidas terem excluído esta região do seu plano de resposta humanitária para o país neste ano em curso, o qual se concentra principalmente na situação crítica no Nordeste da Nigéria. Consequentemente, muitas organizações enfrentam dificuldades para dar continuidade às avaliações conduzidas e para obter fundos que permitam providenciar apoio para salvar vidas no Noroeste nigeriano, apesar das bem conhecidas necessidades urgentes que existem na região.

 

Agricultores cultivam as suas terras nas proximidades da aldeia de Riko, Estado de Katsina, na Nigéria. Junho de 2022. ©George Osodi.
Agricultores cultivam as suas terras nas proximidades da aldeia de Riko, Estado de Katsina, na Nigéria. Junho de 2022. ©George Osodi.

 

“A situação crítica das crianças desnutridas no Noroeste da Nigéria não pode continuar a ser negligenciada”, sublinha a coordenadora-geral da MSF na Nigéria, Froukje Pelsma.

 

Doadores e agências internacionais, incluindo a Unicef e o Programa Alimentar Mundial, têm de aumentar o apoio prestado às estruturas de saúde para providenciar às comunidades acesso a tratamento nutricional, em colaboração com as autoridades nigerianas, as quais devem também contribuir.

 

A trabalhar contra a desnutrição em Zamfara desde 2015, a MSF desenvolveu capacidade adicional nos estados de Katsina, Kebbi, Sokoto, Zamfara e Kano em 2021 e em 2022. Atualmente, a organização médico-humanitária gere 25 serviços ambulatórios e oito unidades de hospitalização para casos de desnutrição nestes cinco estados nigerianos. As equipas da MSF trataram quase 31 000 crianças com desnutrição aguda grave em 2021. A MSF fez também, recentemente, soar o alarme sobre a situação em Maiduguri, no estado de Borno, onde o centro hospitalar de desnutrição recebeu um número elevado de pacientes – 2 199 crianças entre janeiro e junho deste ano, o que representa um aumento de 50 por cento em relação ao período homólogo do ano anterior.

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