Nigéria: mais de dois anos de crise em Borno

Coordenadora de programas de MSF na Nigéria fala sobre a situação atual e as perspectivas futuras para a população do estado

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O governo da Nigéria está combatendo o grupo rebelde “Província da África Ocidental do Estado Islâmico”, conhecido como Boko Haram, no estado de Borno, no nordeste da Nigéria. A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) atua no estado desde agosto de 2014.

Isabelle Mouniaman-Nara, coordenadora de programa de MSF na Nigéria, retornou de uma visita ao estado. Abaixo, ela fala sobre o que o futuro resguarda para as pessoas deslocadas há anos devido à insegurança decorrente de confrontos e ataques às cidades e vilarejos e o que MSF tem feito para responder à crise.

Essa crise está acontecendo há quase dois anos. O que o futuro resguarda para as pessoas deslocadas no estado de Borno?

A situação não mudou muito. Ainda há cerca de 1,6 milhão de pessoas deslocadas no nordeste da Nigéria, a maioria delas concentrada em Maiduguri, capital do estado de Borno. Na medida em que 90% das pessoas vivem na comunidade, 100 mil delas estão espalhadas por cerca de dez acampamentos na cidade.

Houve rumores sobre a devolução de pessoas deslocadas para seus locais de origem, mas, devido à persistente falta de segurança nessas áreas, parece que essa alternativa não está mais entre as possibilidades. As autoridades em Borno querem fechar diversos acampamentos de Maiduguri e assentar todos os deslocados em apenas seis locais, todos na capital, provavelmente para retomar as atividades em escolas e universidades que têm sido usadas para acomodar as pessoas. Além disso, a medida visa controlar melhor a segurança e o envio de ajuda aos acampamentos.

O que MSF está fazendo?

MSF está monitorando as condições de saúde e epidemiológicas em todos os acampamentos para deslocados em Maiduguri; em sete localidades, a organização está trabalhando nas áreas de higiene e saneamento; e em duas, oferece cuidados de saúde.

Nossas equipes também estão trabalhando nas comunidades que eram reduto do Boko Haram em Maimusari, que é um distrito carente de Miduguri, e os habitantes, tanto residentes quanto deslocados, são extremamente vulneráveis e precisam de cuidados dos mais básicos. Abrimos uma clínica onde oferecemos consultas ambulatoriais e serviços de saúde materna e nutrição. Além disso, MSF opera um centro de saúde no distrito de Bolori (outro ex-reduto do Boko Haram), onde também oferecemos consultas ambulatoriais e serviços de saúde materna e nutrição.

Nós oferecemos assistência – centro de nutrição, tratamento emergencial e pediátrico – ao Hospital de Doenças Infecciosas, em Maiduguri, e à sala de emergência no hospital Umaru Shehu. Estamos planejando estruturar um programa cirúrgico destinado unicamente aos deslocados. Em parceria com as equipes do hospital, nós vamos oferecer tratamento cirúrgico, desde cuidados de trauma a cuidados para vítimas de ataques que sejam encaminhados para nós por organizações como, por exemplo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que também trabalha em uma instalação do Ministério da Saúde com cirurgia. A oferta de cuidados referentes a queimaduras também é uma possibilidade, porque durante a estação do frio, muitas pessoas, mais especificamente crianças, vivendo em condições insalubres acabam se queimando em acidentes domésticos, geralmente causados por aquecimento improvisado e inseguro.

O que gostaríamos de fazer nos próximos meses?

Uma vez que o número total de acampamentos baixe para seis, vamos continuar garantindo monitoramento de saúde integral, bem como atividades médicas, de higiene e de saneamento, mas apenas em dois dos acampamentos. É essencial que nós fiquemos nos acampamentos porque é a única maneira efetiva de acompanharmos o que está de fato acontecendo com os deslocados.

Vamos dar continuidade ao nosso trabalho em Maimusari e Bolori II e no hospital Umaru Shehu. Vamos transferir nossas atividades em andamento no Hospital de Doenças Infecciosas para o centro de saúde em Maimusari logo que a renovação da instalação estiver completa.

MSF vai conduzir as atividades de higiene e saneamento nos locais e instalações onde for atuar, mas gostaríamos de repassar ao menos parte do trabalho a outras agências.

Até o momento, nossa assistência esteve focada exclusivamente na cidade de Maiduguri. Nossa tentativa mais recente de avançarmos se deu em fevereiro de 2015, quando fomos a Monguno avaliar um hospital e determinar se podíamos estruturar operações ali. No dia seguinte, combatentes do ex-Boko Haram atacaram Baga e a cidade inteira fugiu para Maiduguri. Monguno teve destino semelhante, tendo se tornado um distrito fantasma.

As autoridades gostariam que as pessoas vivendo em áreas rurais se mudassem para cidades como Bama, Baga e Monguno, entre outras, e fiquem em alerta enquanto o exército nigeriano faz ofensivas nas redondezas. Aqueles que não conseguirem chegar a esses centros urbanos a tempo serão considerados automaticamente simpatizantes ou, possivelmente, até membros do Boko Haram. Estamos preocupados porque nada parece ter sido feito nas cidades em termos de cuidados de saúde, provisão de alimentos e abrigo para prepará-las para o influxo de todas essas pessoas. Precisamos monitorar de perto essa situação. Mas, no nordeste da Nigéria, a situação ainda é muito perigosa; portanto, nossa prioridade é garantir que nossas equipes possam se deslocar e fazer seu trabalho em segurança.

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