O entusiasmo da chegada no primeiro projeto com MSF – Parte 1

Diego Cabral conta seus primeiros contatos com os pacientes na RDC

Parte I: O entusiasmo da chegada no primeiro projeto com MSF

23/07 – Cheguei a Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC), ontem à noite, depois de reuniões na sede de MSF em Bruxelas. Quando chegamos no nosso alojamento, uma surpresa: a casa de MSF é muito grande, com capacidade para receber muitos voluntários ao mesmo tempo e possui tudo que podemos precisar aqui. Simples e acolhedora.

Passei um dia muito agradável com meus novos amigos que estão aqui. Cada um tem uma motivação diferente para estar aqui, para se juntar a MSF.

24/07
Durante a manhã, conheci o escritório central de MSF aqui e fiquei impressionado com a quantidade de gente que trabalha na instituição. Esse projeto apoia a vida de muitas famílias, porque existe um grande número de profissionais locais que trabalham diretamente e com isso recebem seus salários todo mês e podem sustentar seus filhos. O sentimento no escritório é o mesmo que eu já tinha sentido em Bruxelas: existem pessoas que trabalham sempre para a construção de um mundo melhor.

26/07
Finalmente em Kananga! Fui muito bem acolhido na instalação de MSF. Os congoleses aqui são muito receptivos. Eles sorriem o tempo todo e adoram um “bom-dia”. Eu me sinto, de verdade, em casa. Estou muito animado para começar de fato o trabalho.

Para não dizer que não fiz nada, no fim do dia houve uma cirurgia em que dei uma anestesia tipo sedação. O paciente passa bem. Amanhã, às 7h30, uma pequena reunião no hospital, muitos pacientes (60 leitos apenas para cirurgias) e bastante trabalho nos próximos dias.

27/07
Sim, trabalhamos muito em MSF. Posso dizer isso depois do meu primeiro dia de fato aqui como anestesista. Começamos pelos pacientes que têm feridas crônicas (eles sofreram todos os tipos de traumatismo – fogo, arma de fogo ou arma branca, acidente de trânsito). Se parece com o Brasil, mas diferente porque aqui, na RDC, não há um sistema público de saúde. Você deve pagar sempre que utiliza algum serviço. Então, se você não tem dinheiro nem para comer, você nunca vai ao hospital. MSF assegura que ninguém pague por nada, nunca, em lugar nenhum, em nenhum país. Isso faz muita diferença para as pessoas aqui.

28/07
Comecei a acompanhar o dr. Daiki (cirurgião japonês, com muita experiência em MSF e um enorme coração) na “ronda da manhã”. Admito que essa rotina é bem diferente para mim, primeiro porque anestesista nunca faz a “ronda” no hospital e, segundo, porque eu estava no meio de 7 pessoas em um outro país, numa discussão de casos clínicos, na frente dos pacientes graves, tentando falar em francês.

De noite, uma pequena festa com outros profissionais internacionais que também trabalham aqui. Pude, mais uma vez, conhecer pessoas com histórias de vida e motivos para entrar em MSF muito diferentes, mas com a mesma vontade de fazer alguma coisa pelas pessoas. Sim, podemos acreditar que há esperança para este mundo. Há pessoas que pensam em trabalhar para isso todos os dias.

29/07
Durante a noite, a notícia de que um menino faleceu no hospital. Havíamos feito a cirurgia 48 horas antes, mas infelizmente ele chegou tarde demais para os nossos cuidados… Não é fácil aceitar e compreender, principalmente para mim, que encontro a morte pela primeira vez aqui. Mas temos certeza que fizemos tudo, absolutamente tudo para salvá-lo e, que no fim de sua vida, demos a ele um pouco de conforto e paz.

30/07
Domingo. Durante a tarde conversei muito com o guarda do portão. É sempre um bom momento para melhorar meu francês e saber melhor o que acontece e já aconteceu aqui. Há muitas pessoas ainda escondidas na floresta porque têm medo de retornar e sofrer novamente, começar tudo de novo… E eu penso: “como minha vida é boa no Brasil”.

De madrugada, um novo caso chegou ao hospital: uma mulher levou um tiro na perna, mas passa bem. Nada de cirurgia para a nossa equipe. Nós pegamos, principalmente, as consequências da guerra aqui. Mas tenho certeza que, se MSF não estivesse em Kananga, muitas pessoas sofreriam e muitas já teriam morrido.

Amanhã, pelo menos 11 cirurgias. Uma nova semana que irá começar e agora já me sinto melhor adaptado.

31/07
Como posso estar no céu depois de um dia tão cansativo? Apenas porque fazemos as coisas de que gostamos tanto. Eu estou muito feliz de ter essa oportunidade. Ontem à noite, de novo, um caso de um rapaz com uma doença no abdômen muito grave. Cirurgia de emergência e, depois de 3h30, uma família muito feliz: o garoto teve uma boa noite.

01/08
Hoje descobri que as enfermeiras que trabalham comigo no hospital comem apenas uma vez por dia. Uma vez! De noite. É muito difícil para mim acreditar que, dia após dia, há muitas pessoas que não têm uma refeição sadia depois de um dia de trabalho. Três refeições por dia: uma coisa que, para mim, é tão normal e para elas tão rara. Continuar a mesma pessoa depois de uma experiência como essa aqui é improvável.

02/08
A guerra deixou consequências muito tristes. Há um rapaz que se queixa de ter perdido o movimento da mão depois de um ferimento no nervo; uma jovem, sem o pé direito, que foi cortado por uma machete; as crianças vítimas de tortura que mostram as cicatrizes nos seus rostos. Por outro lado, também há pessoas que sorriem sempre, mesmo com uma perna amputada, mesmo depois de dois meses no hospital sobre o mesmo leito, mesmo com a maior parte de sua família tendo sido assassinada. Essas pessoas se alegram quando nos veem e desejam um grande “bom dia!”. Isso nos anima muito.
 

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