Relatos de uma pandemia: Aquidauana – parte 02

Relatos de uma pandemia: Aquidauana – parte 02

Quando recebemos a autorização para atuar nas aldeias indígenas de Aquidauana, a alegria e o alívio tomaram conta da nossa equipe em campo e da população indígena.

Iniciamos imediatamente as atividades com uma reunião com as lideranças indígenas e profissionais de saúde do local. Naquele momento, os casos ainda eram numerosos, porém já estavam mais estáveis e pudemos ver no discurso de cada liderança e de cada pessoa o impacto avassalador na vida dessas pessoas.

Muitos haviam perdido parentes, amigos, pais, mães… Muitos ainda estavam em recuperação e tinham sequelas significativas. Muitos haviam sido curados, mas passado por momentos muito traumáticos neste trajeto. A saúde mental já não era a mesma, a tristeza tomou conta de todos e a cada discurso sentíamos a dor e o sofrimento desse povo tão simples e amável.

A situação piorava e o sofrimento aumentava ainda mais pela falta de medicamentos disponíveis e de profissionais de saúde, pois praticamente todos se contaminaram e havia escassez de equipamentos de proteção individual. MSF contribuiu com muitas doações para as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) – recebidas com muita felicidade –, para regularizar o atendimento médico.

Então, ainda diante de um número de casos considerável e sequelas emocionais e físicas tão grandes, iniciamos nossos trabalhos com três clínicas móveis, compostas por médicos e enfermeiros, promotores de saúde, profissionais de água e saneamento e psicólogos, nas 11 aldeias da região e mais cinco áreas remotas, que não constavam como território indígena, porém onde havia indígenas com menos acesso ainda ao sistema de saúde local.

Minha função era coordenar as ações em campo dessas três clínicas móveis, além de realizar o monitoramento dos pacientes e integrar o nosso plano de ação com o do sistema de saúde local, realizando os diálogos com as lideranças de saúde indígena da região em relação a como gerenciaríamos as ações conjuntas. Fomos muito bem recebidos pelas autoridades locais, e pudemos oferecer propostas de melhorias e atuar conjuntamente na implementação das mesmas.

Inicialmente, as visitas eram realizadas aos pacientes que aguardavam resultados de exames e pacientes positivos, porém, tivemos que ir muito mais além. Atendemos pacientes com doenças crônicas como diabetes e hipertensão, e que estavam sem assistência há meses – muitos já com sequelas graves do avanço sem controle de diabetes, como cegueira e amputações de extremidades do corpo. Atendemos muitas crianças que há muitos anos não eram examinadas ou nunca tiveram a possibilidade de ter uma consulta com um pediatra.

Uma parte essencial do projeto foi o atendimento psicológico, pois as pessoas nos pediam psicólogos, porque precisavam de alguém para uma escuta ativa e especializada. Os psicólogos puderam intervir em casos de depressão e de ideação suicida, causados por todo esse processo de sofrimento, e realizaram um trabalho maravilhoso, obtendo resultados muitos bons após a atuação.

Os promotores de saúde identificavam necessidades da comunidade e atuavam levando informação à comunidade de uma forma compreensível e eficaz.

A equipe logística e os profissionais de água e saneamento levavam treinamento para os profissionais locais para a melhoria do saneamento básico e qualidade da água que era consumida pelos moradores, além de atuar nas UBSs locais com treinamentos para o pessoal de higienização.

Nesse projeto, conviver com os Terenas, conhecer sua cultura e seu amor para com os outros indígenas, foi uma experiência linda. Ver no rosto deles no momento de ir embora, principalmente dos profissionais de saúde, uma outra feição que não a de tristeza e, sim, de alívio e confiança sobre o futuro foi muito gratificante depois dessa jornada juntos.

 

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